O GRANDE DESFILE
Nossa vida bem pode ser comparada a um grande Carnaval. Como os desfiles das escolas de samba, por exemplo. À semelhança deles, também vivemos etapas distintas, mas todas de importância fundamental para o sucesso ou fracasso da missão que vimos cumprir.
O início, infância e adolescência, é a época dos sonhos. Tudo ainda é festa, cor, brilho, cenários mágicos, grandiosos, fantásticos, dentro dos quais somos meros brincantes sem maiores compromissos. Aos poucos, entretanto, vamos descortinando o futuro. Mais amadurecidos passamos a identificar certas realidades que até então nos passavam despercebidas. Começamos, a partir daí, a pensar com mais seriedade no desfile do qual seremos obrigados a participar.
Imaginamos o enredo, as alegorias e adereços e planejamos a forma como serão dispostos durante o deslocamento, com vistas a valorizar a nossa evolução. Já sabemos que de modo algum nos será permitido comprometer a harmonia.
Chega, enfim, o dia em que a sirene nos alerta sobre o momento de entrarmos na avenida pronta para conferir o que temos preparado e vamos apresentar.
Ainda estamos na concentração, - o preâmbulo do livro da vida que nos cabe escrever. É quando não aquecemos totalmente, mas já temos consciência – ou pensamos ter - do que vamos enfrentar. Ansiedade, nervos à flor da pele, um receio velado – quase medo – diante do oculto que imaginávamos conhecer e que repentinamente descobrimos ser apenas uma incógnita que não tivemos a capacidade de avaliar em sua real dimensão.
Mas... o que fazer a esta altura? "Alea jacta est" (*). Não tem mais volta. Temos apenas que ir em frente embalados pelos projetos que construímos, pois milhares de olhos curiosos esperam por nossa performance. E, o que mais nos assusta, é que acreditam em nós!...
Ao sinal abrem-se as cancelas e entramos na área de desfile. Perplexos, só aí é que percebemos como é longa!... Recuar, todavia, já é impossível. A partir deste ponto a alternativa – única – que temos é acertar. Nosso samba não pode "atravessar". Os passos e gestos que vão compor a coreografia serão avaliados por juízes rigorosos, prontos a nos derrubar ao primeiro deslize. Uma frase truncada no poema que redigimos ou uma nota destoante na partitura da melodia sobre a qual compusemos todo o enredo serão determinantes para a sentença da qual não há como recorrer. É o nosso vestibular. Ou, mais precisamente, o nosso TCC, que nos abrirá as portas para a glória ou nos conduzirá ao Tártaro portando somente os frangalhos que sobrarem de nossas alegorias.
O suor desce abundante pela face, escorre no peito e encharca nossa fantasia, tornando-a pesada e dificultando os nossos movimentos. Das arquibancadas e camarotes os assistentes vêem o sorriso que estampamos no rosto mas não percebem que no mais das vezes trata-se apenas de um esgar que oculta dores e prantos tantas vezes abafados para não prejudicarmos o conjunto.
Em cada setor diante do qual somos obrigados a passar, julgadores implacáveis anotam, minuciosamente, todo detalhe, atribuindo-nos, mesmo antes de concluirmos o desfile, as notas que definirão o nosso futuro.
O tempo urge. Será que vamos conseguir desfilar dentro do prazo estipulado? Nossa evolução, por mais que nos esforcemos, é lenta, pesada, às vezes trôpega. Os minutos que nos foram creditados escoam com a rapidez da areia dentro de uma ampulheta de brinquedo. Quanto mais escassos ficam, mais distante vemos o final da avenida.
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Enfim, conseguimos. Chegamos! Exaustos mas acreditando que a missão foi cumprida. Agora é aguardar o rateio do que nos cabe e que consagrará o nosso esforço ou reprovará os tropeços, indecisões e equívocos que nos determinaram o fracasso.
Passivamente ficaremos na expectativa de entrar no local onde, cobertos de louro, seremos deificados – a nossa Apoteose! – ou entregues aos domínios de Hades, quando leves sopros de esperança sejam, talvez, apenas o que nos reste. Neste último caso, se os deuses se compadecerem de nós, daqui a algum tempo – a partir do próximo Carnaval, quem sabe? – devemos começar tudo de novo e repetir a lição tantas vezes quantas forem necessárias, até que tenhamos pleno domínio de todo o processo sem mais o perigo de errar. Não há meio termo.
Vando
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(*) "Alea jacta est"- A sorte está lançada – Expressão latina, atribuída ao Imperador Júlio César ao invadir a Gália, contrariando o Senado Romano.
Foto: União da Vila do IAPI, Carnaval 2006 - Autor: João Fiorin – Acervo da Prefeitura Municipal de Porto Alegre
Um comentário:
10!! Nota 10!
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