A FAMÍLIA

"É preciso fazer realmente todo o esforço possível, para que a família seja reconhecida como sociedade primordial e, em certo sentido, soberana. A sua soberania é indispensável para o bem da sociedade. Uma nação verdadeiramente soberana e espiritualmente forte é sempre composta por famílias fortes, cientes da sua vocação e da sua missão na história. A família está no centro de todos estes problemas e tarefas: relegá-la para um papel subalterno e secundário, excluindo-a da posição que lhe compete na sociedade, significa causar um grave dano ao autêntico crescimento do corpo social inteiro". (João Paulo II em “Carta às Famílias” / 2 de fevereiro de 1994)

28 fevereiro 2011

Um resgate necessário

O PREÇO DA MODERNIDADE  
Dedicado a Fleurette, onde quer que ela esteja. 

Foi-se o tempo em que se abriam as gavetas das cômodas, as velhas caixas de sapatos ou os antigos estojos de presentes para garimpar cartões, telegramas (alguém lembra deles?) e mensagens que por tantos e tantos anos foram guardados com carinho. 
Eram mimos singelos, enviados e recebidos pelas pessoas por ocasião das datas importantes, do Natal e Ano Novo, da Páscoa ou simplesmente para dizer que estavam com saudades.
Eram convites e participações de casamentos, nascimentos, batizados, festas de primeiro aniversário ou de quinze anos… Cartões coloridos impressos em cartolina, com detalhes em dourado ou prata, repletos de flores e paisagens bucólicas, corações, anjos, arabescos, imagens românticas… 
Tudo igual ao que se veicula atualmente no Orkut – a não ser por um pequeno pormenor: a gente podia segurá-los, sentir o perfume de que muitos deles vinham impregnados, acariciá-los e apertá-los junto ao peito como se o estivéssemos fazendo com aquela pessoa especial que nos enviou. E depois de reler e olhar muitas vezes, depositá-los de novo, com carinho, nos nossos relicários junto a tantos outros que, em conjunto, reconstituíam partículas de histórias das nossas vidas. 
Vinham pelo correio em envelopes geralmente personalizados, sobrescritos com caligrafia esmerada, portando selos comemorativos – pois os selos “ordinários” não faziam parte do ritual. Obliterados com carimbos onde se identificavam os nomes das cidades de onde provinham e as datas da postagem e da chegada, nós os abríamos com espátula, cuidadosamente, para não danificar. Ou mais simplesmente, um cartão postal, com a imagem de uma aldeia distante ou lugar muito querido, que dispensava envelopes e chegava envolto apenas pela aura dos lugares por onde transitou.   
A expectativa precedia seus adventos. Desde que postados nos correios daqui ou de além-mares, demoravam dias, semanas ou meses atravessando oceanos, cruzando céus, sendo transportados por ferrovias e rodovias entre metrópoles e montanhas, aldeias e desertos, até a hora em que o carteiro conhecido da família batia à nossa porta e nos entregava como num cerimonial pleno de sacralidade.  
A época agora é outra. Mais célere e menos sentimental. Menos espiritual. Menos poética. Somos práticos. Objetivos. Não temos mais sonhos, apenas pressa. Muita pressa. Tempo é dinheiro!… Não mais nos prendemos a recordações e “superficialidades”. É tão corriqueiro dizer “eu te amo” ou “estou com saudade” sem que as palavras sejam o reflexo fiel do que se passa no nosso coração… Aceitemos ou não, tudo ficou vulgar. A vida se vulgarizou. Nós nos vulgarizamos.
As pessoas não se visitam mais. Não trocam abraços. Não conversam. Não falam nem ouvem. Apenas escutam, superficial e eventualmente, para darem a impressão de que estão sendo atenciosas. Mas logo seus pensamentos e suas mentes tomam outros rumos. Voam em direções incongruentes que não conduzem a lugar algum: apenas as afastam mais, umas das outras.  
Afinal, todos nos tornamos cibernéticos. Não mais escrevemos cartas, nem enviamos postais, nem ao menos telefonamos. Até para dizer um “olá, como vai?” utilizamos o e-mail ou os “sites de relacionamento”. Nossas palavras, mal escritas, em frases truncadas, se resumem a abreviaturas ininteligíveis até para outros internautas. Pouco ou nada dizem. Pessoas mais velhas ou as que não têm um computador e ainda “não evoluíram”, estão desinseridas dos nossos contextos; foram “deletadas” de nossas relações pessoais, pois nada temos a dizer-lhes e ainda que tivéssemos, elas não teriam como se “conectar” conosco.  Somos mundos à parte. Isolados. Impermeavelmente. Irremediavelmente!... 
Por isto as muitas desesperanças. Por isto a indiferença, a desatenção, a carência de referenciais. Por tudo isto o “leio e deleto” dos orkuts da vida, que apaga num átimo, sem preservar vestígios, a essência de qualquer mensagem. Não há mais porque guardá-las. Nos dias que correm, seria infantilidade. Armazená-las só ocuparia os nossos ciberespaços, sejam eles os do computador, do provedor ou, principalmente, do nosso íntimo, do nosso coração árido desacostumado do amor e que se recusa a abrigar qualquer forma que seja de afeto e ternura, coisas há muito ultrapassadas.   
É o preço que estamos pagando pela modernidade. É o pedágio cobrado para que transitemos nestes caminhos da humanidade nova. Será que alguma vez não sentiremos falta daquelas pequenas, mas tão meigas e doces lembranças? 
Vando
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Ilustração: Cartão Postal (frente e verso) postado na Ville de Laval, P.Q., Canadá, em 26 Ago 1970 por uma pessoa muito especial. Do meu acervo.

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