UM POUCO DE TEMPOS IDOS
Sou um apaixonado por esta minha Porto Alegre tão incompreendida por uns, tão maltratada por muitos. Gosto de suas ruas, das praças, dos shoppings, das Igrejas, da Catedral. Gosto dos prédios antigos, das velhas casas de arrabaldes, das figueiras majestosas que, vez por outra, ainda se encontram nas praças distantes e nos terrenos baldios onde um dia existiram residências com avós que contavam histórias e crianças arteiras e barulhentas. Gosto dos edifícios modernos envidraçados e espelhados, da beleza do Aeroporto Salgado Filho – como é bonito o nosso Aeroporto! A propósito, vocês alguma vez já se detiveram para escutar "som de aeroporto"? Existe algo mais fascinante? E o cheiro do café de aeroporto, então?!...
Acho lindas as novas avenidas, como as que formaram a Terceira Perimetral, a Nilo Peçanha, a Oswaldo Aranha com suas palmeiras cuja idade não sei. E lindas também as ruazinhas bucólicas com ipês, jacarandás e tipuanas. Gosto das pontes, túneis e viadutos, da Estação Rodoviária, do Trensurb, do MARGS, da Casa de Cultura Mário Quintana com sua Travessa dos Cataventos, do Theatro São Pedro. Gosto de Belém Velho e da Vila do IAPI, de olhar o pôr-do-sol no calçadão de Ipanema, do panorama indescritível que se descortina dos Morros da Embratel e Santana. Adoro as árvores que tornam a Metrópole aprazível e com jeito de quintal da nossa casa.
Sou um saudosista incorrigível. Vez por outra visito a Redenção, o nosso primeiro grande parque, normalmente para andar à toa, perambulando por seus recantos e suas alamedas. Ali recordo tempos passados – muito passados! - quando, menino, com o pai e a mãe, eu passeava aos domingos pelo Parque, depois da missa na Igreja da Conceição ou na Capela do Divino. Lembro-me dos vendedores de pirulitos, todos colocados estrategicamente nos tabuleiros que eles levavam à cabeça. Revejo-me comendo pipocas, me lambuzando de algodão doce ou sorvete, saciando-me com refresco de framboesa e me embevecendo com a música dos realejos que naquela época eram comuns em todos os pontos da Cidade. Quem nunca ouviu um realejo tocando, não avalia quanta ternura existe nos sons que eles emitem e em sua encantadora e bucólica melodia.
Lembro de quando íamos à Confeitaria Rocco onde, apesar dos papos-de-anjo, quindins e milhões de outras guloseimas divinas, o meu lanche predileto era um copo de leite gelado com bolo-inglês, o bolo-inglês mais saboroso que alguma vez já existiu. Ah, e andávamos de bonde – o Glória, o Duque, o Teresópolis...
Conheci o Auditório Araújo Viana que muitos de vocês podem imaginar ser aquele ali, no Bom Fim. Não, não é. Este não tem alma. Jamais terá, ouso afirmar. Falta-lhe a essência. O espírito. A história!... Estas coisas não se mudam de lugar. Não se pode transportar daqui para lá como se carrega um velho baú carcomido, do porão para o sótão.
O Araújo Viana que eu conheci era outro. O antigo. O primeiro e mais belo como jamais existiu outro em qualquer época. Ficava exatamente onde está a Assembléia Legislativa do Estado, ou Palácio Farroupilha, estendendo-se, paralelamente à Praça da Matriz, da Rua Duque de Caxias até, mais ou menos, o ponto onde está hoje o Anexo do Theatro São Pedro. Uma obra de sonho, com uma concha acústica linda, linda, que era palco para a Banda Municipal e grandes concertos e festivais. As pessoas que iam aos espetáculos acomodavam-se nos bancos de cimento adornados, com assentos de peças de madeira envernizadas. Havia junto dele um belo caramanchão e no lugar onde ficava a platéia, graciosos arbustos e cercas-vivas cultivadas e podadas cuidadosa e geometricamente, formando um ambiente que, hoje, só podemos avaliar quando vemos, parecidos, os parques e jardins europeus.
Há nas minhas reminiscências lugares, pessoas e circunstâncias que, ao serem evocados, trazem-me uma doce nostalgia de cores, pregões, sons, nomes, jeitos. Nesses momentos, mesclam-se aquilo que eu vi e vivi, com o que convivi ou que apenas ficou guardado no subconsciente por terem sido contados por alguém. Ou referidos, ou que li, que ouvi dizer, mas do qual tenho noção quase perfeita, embora as épocas de suas existências não sejam de todo coincidentes, nem correspondam seus tempos e espaços com os meus. Por exemplo, soam-me com indescritível deleite, nomes de ruas antigas, como Rua da Ladeira, Rua da Imperatriz, Rua da Olaria, Rua da Margem (onde morava a Tia Izolina), Praça do Portão... Chamam-se hoje, respectivamente, Rua General Câmara, Avenida Venâncio Aires, Rua General Lima e Silva, Rua João Alfredo e Praça Conde de Porto Alegre. Desnecessário seria mencionar a nossa Rua da Praia, tradicional e eterna, embora o nome admirável dos Andradas.
Dos tipos humanos característicos desse tempo, houve uma figura carismática pela qual eu nutria um venerável respeito. Chamava-se Bataclan (ou Bataclã, não estou bem certo). Suponho que seu acervo de anos chegou muito perto do centenário, ou até o ultrapassou. Era um homenzarrão – é a figura que guardo – negro, que trajava-se elegantemente, com ternos impecáveis, gravata, chapéu, sapatos imaculados, bengala... Tinha o porte de um lorde, não perdendo jamais a postura de um gentleman, sua característica mais marcante. Era cortês e sorria com um sorriso imenso como deveria ser seu próprio mundo interior. Mesmo quando sério, suas feições eram meigas e atraentes, inspirando credibilidade.
Quem era Bataclan? O quê fazia? Onde morava? Jamais saberei dizer. Nós o encontrávamos, sempre, na Rua da Praia, fazendo "reclames" - propaganda de produtos para os lojistas do Centro. A partir de certo dia que não sei definir, Bataclã deixou de ser visto. Não houve mais "reclames" na Rua da Praia. Bataclã desapareceu. Desmaterializou-se, simplesmente. De um instante para outro já não estava mais entre nós. Havia levado sua elegância e presença luminosa para algum lugar do Universo que estava carente de gente bonita.
Quem era Bataclan? O quê fazia? Onde morava? Jamais saberei dizer. Nós o encontrávamos, sempre, na Rua da Praia, fazendo "reclames" - propaganda de produtos para os lojistas do Centro. A partir de certo dia que não sei definir, Bataclã deixou de ser visto. Não houve mais "reclames" na Rua da Praia. Bataclã desapareceu. Desmaterializou-se, simplesmente. De um instante para outro já não estava mais entre nós. Havia levado sua elegância e presença luminosa para algum lugar do Universo que estava carente de gente bonita.
Na verdade, jamais ouço como estranhos, nomes como a Ilhota, o Arraial da Baronesa, o Caminho do Meio, a Vila Picucha, a Praça Guia Lopes e uma infinidade de outros. Lembrando de futebol, revejo a Chácara das Camélias, onde ficava o campo do Nacional; o Estádio da Timbaúva, do Força e Luz, que recentemente foi vendido e do qual raríssimos são os registros remanescentes; a "Colina Melancólica", o velho e belo estádio do Cruzeiro, onde fica hoje o Cemitério João XXIII; o “Estádio Tiradentes”, do Renner, que ficava ali na esquina da Avenida Farrapos com a Sertório, local ocupado atualmente por grande condomínio misto residencial/comercial. E, recordando o “seu” Romeu, o Hipódromo dos Moinhos de Vento onde assisti, com ele, meu pai, a muitos páreos e grandes prêmios do turfe, coloridos e cheios de vibração. Eram eventos que se podia considerar de gala, pois os turfistas se vestiam com fatiotas bem talhadas e chapéus Prada ou Ramenzoni, e se faziam acompanhar de senhoras finas e elegantes que eu não cansava de admirar.
Há ainda muitas coisas em meu acervo de memórias que eu poderia mencionar, pois fizeram parte da minha vida e dos caminhos por onde andei ao menos alguma vez. Outras oportunidades poderão surgir, de repente, quando me venha inspiração para reunir novos fragmentos com os quais eu possa reconstituir pequenos mosaicos como o que, agora, lhes ofereço.
Certamente não são fatos históricos relevantes ou que mereçam lugar nem mesmo em alguma prateleira amontoada de rabiscos inúteis. Tratam-se somente de retalhos esparsos. Retalhos que são meus e que resgato, de vez em quando, de um tempo que foi e já não é. Que passou para nunca mais voltar.
Vando
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Foto: Auditório Araújo Viana – Foto Canazaro
De meu acervo. Publicada no meu blog “RELÍQUIAS DO MEU BAÚ”
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