A FAMÍLIA

"É preciso fazer realmente todo o esforço possível, para que a família seja reconhecida como sociedade primordial e, em certo sentido, soberana. A sua soberania é indispensável para o bem da sociedade. Uma nação verdadeiramente soberana e espiritualmente forte é sempre composta por famílias fortes, cientes da sua vocação e da sua missão na história. A família está no centro de todos estes problemas e tarefas: relegá-la para um papel subalterno e secundário, excluindo-a da posição que lhe compete na sociedade, significa causar um grave dano ao autêntico crescimento do corpo social inteiro". (João Paulo II em “Carta às Famílias” / 2 de fevereiro de 1994)

01 janeiro 2012

Recordando um Dia de Reis


SÃO THOMÉ – DAS LETRAS... E DAS PEDRAS

Pedras brilhantes, ao longe, refletiam o sol enquanto sinalizavam-me a direção a seguir naquele trecho de estrada quase deserta da Serra  da Mantiqueira. Ao meu redor, o horizonte estendia-se delineando a vastidão de vales e montanhas verde-azuladas – ou seriam azul-esverdeadas?! – repousando, alterosamente, sob o céu do sul das Minas Gerais.
Eu não sabia o que havia adiante. Nunca havia estado lá. No meu íntimo somavam-se a curiosidade, com o pesar de ver clareiras de montanhas abertas expondo suas entranhas, das quais afloravam infinidade de pedras em camadas (*). Essa percepção  mesclava-se, contudo, a um estranho sentimento de paz, deslumbramento e magia, crescentes a cada ponto da subida. Irônica e inexplicável contradição!
O caminho que eu percorria era íngreme, coberto de pedregulhos soltos, meio  escorregadios, cobrindo toda a extensão e compactando-o de forma rude, quase primitiva. (**)

 Cheguei ao topo, onde surpresas me aguardavam. Num átimo, como obra repentina do condão de alguma fada, surge-me à frente uma cidade de sonho. Pequenina e graciosa. Toda de pedra: São Thomé das Letras!
Lá tudo é pedra: ruas, casas, igrejas, o calçamento das praças... Pedras e mais pedras laminadas, caprichosamente empilhadas, unidas com maestria umas sobre as outras, formando paredes, muros e edificações de todos os tipos, à semelhança das que, pelas mãos da Natureza, constituem milenares estruturas rochosas, como, entre outras, o Morro do Cruzeiro e a fascinante Pedra da Bruxa.
Nas poucas horas que fiquei em São Thomé choveu em três momentos. Ou sete. Ou nove – como vou lembrar, já que poderiam ter sido quaisquer outros números cabalísticos de vezes, que me viessem à memória?  
Também o sol reservou-me espetáculos inusitados, ora mostrando-se em plenitude, ora transformando em incontáveis matizes a cor do cenário e tingindo as paredes  brancas da antiga Igreja Matriz.

O céu de São Thomé... Ah! o céu de São Thomé!  Agora, de um azul intenso e imaculado, transmutando-se para o azul mais celeste e suave que alguém possa idealizar. Minutos depois, sem que se perceba a mudança, o mesmo céu adornado, aqui e ali, por formosas nuvens que lembram chumaços de algodão e daqui a pouco desaparecem sutilmente. E mais algum tempo o mesmo céu, alaranjado, róseo ou de qualquer cor indefinível dentro do espectro, que a cada instante causa assombro e emoção.

E a chuva, de novo. Fria. Fina. Ou em grossas e rápidas pancadas entremeadas de estiagens, num processo intermitente, produzindo – ela, com certeza - arco-íris que se duplicavam e triplicavam em projeções sucessivas na direção do infinito.   


É difícil dizer o que é real e o que é imaginário em São Thomé das Letras. Fosse eu poeta tal espetáculo – dentro do qual eu me inseria como ínfimo figurante embevecido – teria me inspirado poemas telúricos de inexcedível encanto. Mas não sou poeta. Apenas tento narrar, do meu jeito, com a indigência de meu vocabulário ante tal magnitude, as impressões que São Thomé gravou indelevelmente em minhas lembranças. Descrevê-las com fidelidade é impossível. As palavras capazes de tal prodígio ainda não foram inventadas.
O tempo passou rápido e precisei voltar. Tive que interromper minha admirável experiência e sair de São Thomé levando comigo uma vontade enorme de ficar. De continuar passeando sem pressa em suas ruas, de visitar suas incríveis cascatas e grutas, de caminhar pelos morros e vales que se combinam em harmoniosa topografia que cria paisagens oníricas, e de conhecer – o que não foi possível -  tudo o que os deuses que lá residem se dispuserem a permitir aos simples mortais.   
Faz onze anos que lá estive e desde então acalento o sonho de voltar. Um dia... quem sabe!? É compromisso que assumi comigo mesmo e não pude cumprir. Ainda.
Mas voltarei, acreditem. A saudade não arrefeceu, apesar do tempo decorrido. E dessa vez tentarei desvendar com calma os segredos guardados em cada fragmento de pedra, os mistérios escondidos nas lendas, a magia presente no ar, o milagre da luminosidade que a tudo e a todos envolve.  E rever o  sorriso das gentes simples que, num instante fugidio, tiveram seus caminhos cruzando com os meus, num dia 6 de janeiro, um sábado, Dia de Reis de 2001.  
Vando
(*) Quartzito, lá chamadas de "pedras mineiras".
(**) Trata-se de fragmentos desprezados pelos trabalhadores por não terem serventia. A atividade econômica local é a extração das pedras para exportação, construção, revestimentos e fachadas decorativas e matéria-prima para um desenvolvido artesanato local.
* * *
Fotos minhas / Publicadas em meu blog

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