A FAMÍLIA

"É preciso fazer realmente todo o esforço possível, para que a família seja reconhecida como sociedade primordial e, em certo sentido, soberana. A sua soberania é indispensável para o bem da sociedade. Uma nação verdadeiramente soberana e espiritualmente forte é sempre composta por famílias fortes, cientes da sua vocação e da sua missão na história. A família está no centro de todos estes problemas e tarefas: relegá-la para um papel subalterno e secundário, excluindo-a da posição que lhe compete na sociedade, significa causar um grave dano ao autêntico crescimento do corpo social inteiro". (João Paulo II em “Carta às Famílias” / 2 de fevereiro de 1994)

31 março 2012

Que papelão, Excelência!...

SOBRE LEITURAS E DESENCANTOS

Alfácia do Sul. Lembro bem de quando, garoto, no colégio, descobri este país no meu livro de Geografia. Aparecia, muito discretamente, num canto do mapa. De imediato, não sei por que, passei a alimentar o desejo de conhecê-lo.

Durante toda a juventude imaginava-me viajando ao encontro das maravilhas que a partir daquele primeiro contato eu supunha estarem lá, à minha espera. Depois de adulto cheguei a ensaiar um tour àquele éden que nunca abandonou os meus sonhos. Mas como as finanças andaram em baixa, por muito tempo, fui protelando e a aventura terminou não se concretizando.

Meses atrás, na agência de viagens de um amigo, fui presenteado com um belíssimo folder,  adivinham de onde? Bingo! Alfácia do Sul!...  Ilustrado com fotos lindíssimas, contendo um resumo histórico-geográfico-político-religioso-artístico-econômico-étnico-turístico-cultural que, definitivamente, reacendeu em mim a certeza de que lá era o meu lugar. Além das paisagens fascinantes, diz o folder que o visitante desfruta de uma culinária de excelente qualidade e pode explorar um sítio arqueológico repleto de templos e palácios milenares, plenos de simbolismos, tudo enriquecido da magia e tradições exóticas de um povo alegre, hospitaleiro e profundamente religioso.  

Ilha paradisíaca, a Alfácia é uma ex-colônia situada a sudeste da antiga Neurásia Ocidental, próxima ao Atol  das Cracas. Está entre os maiores exportadores do mundo de conchas de moluscos pré-históricos, encontradas à flor do solo, de bananas-caturras e rapaduras de coco cuja matéria prima vem de uma ilha vizinha. Apesar disto, a base de sua economia é a produção de alface, aquela encrespadinha  – dizem que deliciosa! – que alcança altos valores nas bolsas internacionais. Segundo a lenda transmitida oralmente pelos anciãos e repetida nas aulas cívicas desde a pré-escola, é dessa hortaliça de nome científico Lactuca sativa, da família das Asteraceae,  que se originou o nome do país. Aliás, a bandeira nacional, toda branca, tem no centro o desenho de uma folha heráldica da alface. Como adoro alface, este argumento foi decisivo. Minha próxima viagem seria à Alfácia. 

Pois, um dias desses, surpreendi-me com a notícia do jornalzinho que se publica aqui no bairro todos os sábados. Sob a manchete enorme, de primeira página, saltou-me à vista: "ESCÂNDALO NA ALFÁCIA DO SUL!". Quase não acreditei no que os meus olhos estavam lendo. Saí em busca de outras  fontes, na expectativa de um consenso. Perguntei aos amigos e conhecidos. Falei com o frentista do posto onde abasteço com cartão de crédito. Comentei com o barbeiro e com o zelador do condomínio. Eles, que estão sempre a par de tudo, não sabiam de nada. A TV não divulgou, nem os canais abertos nem os daquela rede que todo mundo assina embora sabendo que estão pagando o dobro do que vale. O dono do mercadinho me disse que sua mulher, parece, tinha comentado alguma coisa que teria ouvido no Big Brother, mas não estava bem certo. Então lembrei-me do óbvio: fui ao editor do jornal que, além de velho conhecido, merece toda a confiança. Confidenciou-me ele ter recebido a notícia por e-mail, de um correspondente paraguaio cuja credibilidade é absoluta.

Se a notícia inicial foi um choque pra mim, a confirmação de sua veracidade me deixou estupidificado. Aparvalhado. Logo na Alfácia do Sul, o país dos meus sonhos!  

A nota era quase lacônica. Poucas linhas, ocupando espaço bem menor do que a manchete propriamente dita. Resumindo, tratava-se de um ministro,  pessoa influente, distinta, descendente de família aristocrática, protetor de inúmeros apadrinhados políticos. Era tido até então como de ilibada reputação, além do notório saber jurídico atestado nos seus diplomas universitários, e em incontáveis títulos de doutor honoris causa que coleciona.  Uma sumidade!

Pois vejam só! Sua excelência deixou-se cair em tentação e, sem qualquer cerimônia, enfiou a mão na cumbuca. E que mão! E que cumbuca! Pra começo de conversa, descobriram que ele mantinha contas bancárias secretas em diversos paraísos fiscais. Até aí, nada demais, convenhamos. Isto está tão comum!... O que fez desandar de vez  o merengue do ilustre senhor foi a revelação de que costumava promover festinhas íntimas com sedutoras moçoilas – não muito casadoiras - das ilhas próximas, às custas do erário. Isto, de imediato, repercutiu negativamente na opinião pública, causando indignação principalmente nas senhoras da alta sociedade.  

Instaurada uma CPI, começaram a surgir outros desvios de conduta de sua excelência: recursos não contabilizados, malversação de dinheiro público, inclusão, na folha de pagamento de seu ministério, de parentes e não parentes, funcionários fantasmas – entre estes, seis ascensoristas, que não soube como explicar pois o prédio do ministério tem apenas dois andares e nenhum elevador, sendo encontrados também, em cargos de confiança, a cozinheira de uma enteada (filha de sua terceira esposa, da qual está divorciado) e o caseiro de um concunhado que nunca foram vistos por lá e não quiseram prestar depoimento. Incrível o caso deste último! Injustificável, até! O sujeito não era nem cunhado!...

Confesso que fiquei decepcionado. Quase entrei em depressão, tal o meu desencanto. Depois disto, resolvi retardar a minha viagem para a Alfácia. Sine die. Até que as coisas voltem à normalidade, por lá. Sem descartar a possibilidade de cancelamento definitivo.  

Fico imaginando como estarão se sentido os alfacianos com um escândalo desta magnitude. Coisa nunca vista algures nem alhures. Deve ser horrível viver num país assim, vocês não acham? Deus nos livre de conviver com esse tipo de gente.  

Bem, como hoje é domingo, vou tentar superar o meu trauma dando uma volta pelo Brique da Redenção. Vou lá remexer os baús de velharias como faço costumeiramente. Quem sabe se, dentre os postais e livros antigos eu não vou encontrar algumas vistas da Alfácia? Se tal acontecer, garanto que vou comprar para o meu álbum sentimental. Afinal, um amor antigo a gente não esquece assim, tão de repente. E sempre resta a esperança de uma reconciliação.

Prá vocês, um abraço e os votos de um ótimo abril. Preparem-se para o frio, pois logo, logo, ele está por aí. Ah, e cuidado com os objetos de seus sonhos. Às vezes eles podem revelar facetas não imaginadas, que talvez tragam decepções. Tomara que nunca aconteça, mas ninguém está livre.

Vando

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ILUSTRAÇÃO: Foto minha, feita em janeiro deste ano.

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