A CAPITULAÇÃO DO JOCA
– Oi, rapaz! Que prazer encontrá-lo. Como vão as coisas?
– Vão indo. Tudo bem. E você, como tem passado?
– Sabe como é. Trabalhando sempre. E o seu blog, como vai?
– Assim… assim…
– Você não me parece muito animado. Algum problema?
– É. Realmente o blog não tá dando muito certo. Eu tentei, mas o pessoal
não tá nem aí, pra ele. To pensando em jogar a toalha.
– A coisa não me parece tão desoladora assim. Andei olhando ele e achei
bem bonzinho.
– Ah, dúvida cruel! É o velho dilema. Não foi o Shakespeare que disse
“não sei se caso ou compro uma bicicleta”? Ou terá sido o Freud? A conotação me
parece bem freudiana.
– Agora você deu prá fazer brincadeirinha, é? De repente virou piadista!
Um sujeito tão sério, culto, compenetrado, sempre envolvido com coisas
transcendentais…
– É verdade. Mas acho que aí é que reside o problema. Dá uma olhada nesta
crônica que escrevi recentemente. Eu ia publicar ontem, mas estou indeciso. Não
sei se vão entender.
– Dá cá. Deixa eu ver.
– ???… E então?
– Se eu fosse você não escreveria isto. Aliás, escrever você já
escreveu. Agora não adianta mais. Quero dizer que não publicaria.
– Você acha? Por que?
– Porque ninguém vai ler. O texto é excelente. O tema é de uma
profundidade que me lembra os “Sermões” do Vieirinha. A construção das frases é
irretocável. O seu estilo é de dar inveja ao Fernandinho, ao Bill e até mesmo
ao Camões, mas está muito extenso e ninguém lê mais do que cinco linhas. Quando
lê!…
– Mas… se eu resumir ela vai ficar incompreensível. Não consigo dizer
nem a metade do que eu queria.
– Pois é, meu velho. Lamento, mas você pediu a minha opinião. Estou
sendo sincero. Mas sinto ter que repetir: ninguém vai ler.
– Então você está convicto de que a minha carreira de escritor não tem
nenhuma perspectiva de futuro, não é assim?
– Sim, tenho certeza. Na época em que vivemos, as pessoas lêem no máximo
as manchetes do “Diário dos Pampas” e, mesmo assim, só as que trazem notícias
da “Copa” e a crônica policial. Ah!… e o
caderno da TV prá saber quem é o atual namorido da atriz principal “daquela novela”
e quanto ela vai ganhar pra posar para a Play Boy.
– Portanto, você acha que não vale a pena publicar nem este nosso
diálogo, não é isto? Ele já está com o dobro do tamanho que alguém se
interessaria de ler.
– Pois é o que lhe digo. De qualquer modo, posso dar-lhe um conselho –
ou melhor, uma sugestão?
– Sim, fique à vontade. Afinal,
somos amigos e temos toda a liberdade pra isto.
– Arranje outro “hobby”. Esqueça o blog e pare de escrever. Ou
vice-versa. Há tantas coisas interessantes prá se fazer. Mas antes, pra ir se
acostumando, invente algo parecido. Dentro da área, pra começar. Você tem
talento e vai se dar bem, tenho certeza.
– Mas… o que, por exemplo?
– Que tal uma coluna semanal nos jornais de grande circulação? Uma seção
de horóscopo - quem sabe? - vai ter bastantes leitores. Ou de gastronomia – “O
Anonimous Gourmant”, só pra fazer concorrência com o "outro“. É só pra
mudança não ser tão brusca.
– ???
– Vejamos… hum!!!… “O Joca responde”! Ou “A Coluna do Joca”. Isto!… O que acha? Na verdade você nem precisa
mais ter o trabalho de escrever. Contrata alguém. Uma assessoria. Eles
escrevem, pesquisam, colam e copiam, colocam o teu nome e faz de conta que a
matéria é tua. De qualquer modo, dependendo do tema, ninguém vai ler, mesmo. Aí
te sobra tempo prá outras atividades. Prá viajar, por exemplo. Pelo Caribe.
Pela Pérsia. Pela Foz do Iguaçu, Bolívia, Venezuela… Vai conhecer o mundo,
rever os velhos amigos… tomar umas que outras...
– Isto não vai dar certo!... Não
é do meu jeito.
– Então leia, apenas. Você gosta tanto. Só procure não se estressar
demais. Evite romances, novelas, épicos, ficção, história, ensaios, economia e
coisas do gênero. Eles são muito longos, cheios de mistérios, de enredos
complicados, de passaegens que exigem pesquisa, reflexão, você sabe, né? Enchem
o saco. São mais exaustivos do que exercício em esteira. (... Acho que alguém já
disse isto alguma vez, só não lembro quem!...).
– Puxa, rapaz! Você teve uma idéia brilhante! Que argumentação! Me
convenceu e vou seguir seu conselho. Quer dizer, a sua sugestão. Este negócio
de escrever já estava ficando meio chato, mesmo. Obrigado, amigo! Obrigado, do
fundo do coração! Você é mais que um amigo; é um irmão. É o meu guia, o meu
guru, o meu anjo da guarda. O meu flanelinha particular. Minha gratidão será
eterna como um epitáfio.
– Você está brincando? Assim, de súbito, toma uma decisão tão séria?
– Claro. Você me abriu os olhos. A partir de hoje passo a ser um simples
leitor. Vou começar a ler tudo o que puder. Desde que não tenha mais do que
quatro ou cinco linhas. Afinal ninguém é de ferro.
………
E a partir daquele dia o Joca nunca mais voltou a escrever.
Vando
* * *
P. S. - Esta historinha não é original nem
inédita. Publiquei-a, primeiramente, em meu saudoso blog “Rabiscos e Garatujas”,
alguns anos atrás. A que agora publico sofreu algumas alterações – poucas –
que, no fundo, em nada modificaram o tema. “Atualizei-a” – digamos assim. Às
vezes tenho vontade de ressuscitar o Joca, personagem que criei inspirado em
alguém a quem muito prezo. A idéia não se dissipou de todo. Assim, a qualquer
momento ele – o Joca – pode reaparecer. Espero.
* * *
CRÉDITO ILUSTRAÇÃO:
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