UM DIA, UMA HISTÓRIA
Hoje é o primeiro dia do mês, mas
veio-me à lembrança a data de 31 de outubro de 1981, coincidentemente o último.
Quando a efeméride me ocorreu, achei que foi domingo, pois recordo que tinha
sol. Aquele sol radiante que só acontece nos domingos de primavera da Praça da
Alfândega, entre as palmeiras e os jacarandás floridos. Mas me equivoquei nos meus cálculos: era um
sábado!
Na quarta feira, dia 28, havia
iniciado a 27ª Feira do Livro de Porto Alegre. E, como até hoje fazemos desde
mil novecentos e antigamente, andávamos, eu e a Nina, pela Praça, entre as
"barracas", deliciando-nos com o cheiro dos livros novos e garimpando
os balaios onde se encontram sempre agradáveis surpresas a preços ridículos,
muitas delas com cheiros antigos. Principalmente nos primeiros dias da Feira,
pois as preciosidades se esgotam logo. Nesse dia estavam juntos o meu filhote,
Marcelo, então com sete anos, e minha cunhada, Maria, recém chegada de Santa
Maria para passar uns dias com a gente.
Curtíamos a Feira, que era pura
festa. Pelo alto-falante, ouvimos o anúncio dos autores e das personalidades
presentes, entre os quais estava alguém que há muito eu considerava como pessoa
da nossa família. Com freqüência nos encontrávamos na Rua da Praia, pelas
imediações da Praça da Alfândega, na Livraria do Globo ou, eventualmente, em
algum outro lugar. Nunca conversei com ele. Apenas cumprimentava-o, sempre que
nossos caminhos se cruzavam: "Bom dia, Poeta!" – ao que ele me
correspondia com um sorriso maroto, meio tímido, meio irônico, difícil de
definir. Fazia tempo que eu devorava avidamente seus livros e até já sabia de
cor alguns de seus poemas. Era um dos meus gurus, ao qual passei a dedicar um
carinho muito especial. Seu nome - Mario Quintana!...
Por uma dessas coincidências que
só ocorrem em dias de suprema graça, tínhamos adquirido, poucos minutos antes,
três de seus livros. Para mim comprei "Apontamentos de História
Sobrenatural", da Editora Globo, editado em 1976, e "Pé de
Pilão", da Garatuja, editado em 1975 para meu filho. Minha cunhada comprou
“A Vaca e o Hipogrifo”, também da Garatuja, de 1979. Como a sorte nos sorria,
não podíamos perder a oportunidade de conversar com o Poeta, de vê-lo, de
conseguir um autógrafo.
Entramos na fila. Uma fila
enorme. Chegada a nossa vez, trocamos breves palavras. Não falamos muito, pois
atrás de nós se postava uma quantidade incalculável de admiradores ansiosos
para que chegasse a sua vez. No meu livro, ele escreveu: "Para o Evandro
Inácio uma lembrança muito amiga do Mario Quintana", e no "Pé de
Pilão" sua caligrafia inesquecível deixou registrado: "Para o Flávio
Marcelo, com um abraço do amigo velho, Mario Quintana".
Não lembro o teor
do autógrafo que ele deu para a Maria, mas todos nós saímos felizes,
realizados, pois mais do que uma lembrança ditosa que levaríamos para toda a
vida, ganhamos o melhor presente que podíamos esperar, qual seja o de estar com
o nosso maior Poeta, ainda que por um instante breve. Efêmero. De súbito!
Vando
* * *
Notas minhas:
(1) “De súbito” – Expressão muito comum na obra do Poeta.
(2) Em 29 de outubro de 1982, (32 anos atrás) Mario Quintana é agraciado
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul com o título de Doutor Honoris Causa.
Crédito / Foto - Liane Neves
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