A FAMÍLIA

"É preciso fazer realmente todo o esforço possível, para que a família seja reconhecida como sociedade primordial e, em certo sentido, soberana. A sua soberania é indispensável para o bem da sociedade. Uma nação verdadeiramente soberana e espiritualmente forte é sempre composta por famílias fortes, cientes da sua vocação e da sua missão na história. A família está no centro de todos estes problemas e tarefas: relegá-la para um papel subalterno e secundário, excluindo-a da posição que lhe compete na sociedade, significa causar um grave dano ao autêntico crescimento do corpo social inteiro". (João Paulo II em “Carta às Famílias” / 2 de fevereiro de 1994)

23 janeiro 2011

Leitura dominical

NOSSOS MUROS E NOSSAS GRADES
Sou um repórter policial que, em minha torre, me fiz um humilde marquês , como tal, um gari, um catador de gestos humanos, um dissecador de almas. Nada mais do que isso.


Há manias, tiques nervosos, um certo jeito de viver, um vício qualquer, um gênero literário, são coisas assim que levam as pessoas a encontrar as chamadas almas irmãs. Mais do que isso, levam-nas ao amor além do fraternal, mesmo que nunca venham a se conhecer pessoalmente. O platonismo, em tempos de internet, nunca chegou antes a ser tão verdadeiro. Quando, ao acaso ou pela busca, acontece o encontro, materializa-se o instante mágico e passageiro. Passageiro por ser mágico e pleno de magia por ser efêmero e único. Inimaginável seria se a nossa viagem conservasse perenes as chamas do incêndio de um primeiro encontro.
Somos levados a essas emoções com amigos e amantes. Músicos, artistas de todos os gêneros, filósofos, estadistas, poetas, escritores, vivos ou mortos, fazem parte do nosso círculo de amores. E se pararmos diante deles – Greta Garbo, por exemplo – será possível sentir quão difícil é deixar de gostar das pessoas e o quanto pode ser fácil esquecer de quem traiu a nossa ternura. Diante deles é possível saber que não são poucas as pessoas que têm as mesmas manias e que encontraram muitos irmãos e amantes à distância ou vis-à-vis. O doloroso, ainda assim delicioso, é quando se tornaram diferentes os caminhos de nossos iguais.
Nesse plano em que aqui viajo é preciso construir túneis para fugir da angústia, que pode se tornar imensa. Há angustiados que não conseguem, em solidão, conviver com o seu círculo de amores. Deístas, materialistas, simples capitalistas e até socialistas visitam psicanalistas. É, afinal, um atalho para ir ao encontro de almas irmãs. Quem não tem a mesma sorte, realiza a sua busca em caminhadas ao relento. Fala com o infinito e, sem ser poeta, comete um poema que ninguém nunca lerá, canta, sem ser cantor, uma canção para ninguém ouvir e, sem saber beber, bebe e deixa, correndo todos os riscos, o coração governar o cérebro.
Tenho para mim que todo esse processo sempre foi, até em tempos que eu não vivi, uma busca do momento mágico e diabolicamente passageiro. Hoje ele é essa busca, mas também, cada vez mais, é a fuga de todas as formas de violência. É o temor das ruas, o medo de que a qualquer momento, em qualquer lugar, um bando de salteadores de black tie, em carros importados, com passaportes diplomáticos possa surgir para invadir nosso universo, violentar nossos sonhos, levar nossos valores. Não é isso apenas uma sensação física. Ela é plenamente subjetiva. A violência contra os nossos amores é um bandido e um fantasma.
Buscamos um refúgio, uma casamata. Todos os homens e todos os povos buscaram isso em todos os tempos. As antigas e modernas catedrais, os templos maçônicos, os palácios, símbolos do poder, são fortalezas. Restaram as praças, os jardins públicos, livrarias, bares e todos os recantos do amor com a fragilidade dos desarmados, devassáveis e até promíscuos. Por tudo isso, a nossa tendência é voltar no tempo, retornar nos séculos e crer no momento mágico. No entanto, prevaricamos, pois com a esperança de que as chamas do primeiro encontro voltem a arder, insanamente, esperamos por esse momento murando e gradeando os jardins de nossa casa e do nosso coração.
Wanderley Soares
(do Caderno Colunistas, página 4, do Jornal O SUL – Porto Alegre, RS, domingo, 23 de janeiro de 2011)
Foto: Encontrei no blog de GILMARA COLETTO / Um Pouco de Mim
Vando

Nenhum comentário: