A FAMÍLIA

"É preciso fazer realmente todo o esforço possível, para que a família seja reconhecida como sociedade primordial e, em certo sentido, soberana. A sua soberania é indispensável para o bem da sociedade. Uma nação verdadeiramente soberana e espiritualmente forte é sempre composta por famílias fortes, cientes da sua vocação e da sua missão na história. A família está no centro de todos estes problemas e tarefas: relegá-la para um papel subalterno e secundário, excluindo-a da posição que lhe compete na sociedade, significa causar um grave dano ao autêntico crescimento do corpo social inteiro". (João Paulo II em “Carta às Famílias” / 2 de fevereiro de 1994)

21 fevereiro 2011

Peripécias do Joca - I


SOBRE HÁBITOS E MONGES


Não havia onde estacionar. Nunca encontrava uma vaga. Dava voltas e mais voltas nos quarteirões até encontrar um lugar quilômetros adiante de onde pretendia ir. Então, manobrava com dificuldade para entrar no espaço apertado. Caminhava até seu destino. Dois quilômetros adiante. Entre a multidão. Esbarrando num e noutro. Disputando cada centímetro da calçada. No meio da rua, correndo o risco de ser atropelado. Por fim, andava os dois quilômetros, ou mais, de volta ao carro. Cansado. Suado. Irritado, depois de uma maratona de mais de quatro quilômetros.
Um dia o Joca decidiu. Só iria à cidade de ônibus. De ônibus descia em frente, ou quase, de seu destino usual. Na viagem não precisava se preocupar com as centenas de semáforos sempre no vermelho, com os pedestres imprudentes que atravessavam fora da faixa, com os guardas de trânsito que só queriam lavrar infrações e preencher notificações de multas, com os flanelinhas e guardadores que atormentavam sua vida e com uma porção de outros problemas que, a partir de agora, transferia, solenemente, para o motorista do coletivo.
Passou a surpreender-se com a cidade que, quando dirigia, ele não podia apreciar pois só olhava pra frente e pelos espelhos retrovisores. Notou como algumas ruas estavam bonitas, limpas, arborizadas. Constatou que as lojas estavam com fachadas mais atraentes, que determinadas construções antigas, verdadeiros pardieiros, tinham sido demolidas e dado lugar a belos edifícios, e que a “pracinha” de tempos atrás estava remodelada e florida.
Depois de acostumar-se com as novas paisagens que passaram a fazer parte de seu dia-a-dia, percebeu que nos horários em que tomava o ônibus, quase as mesmas pessoas também viajavam. De simples conhecidos e companheiros de viajem, muitos passaram a amigos. Cumprimentavam-se, falavam de futebol, de política, de coisas amenas. Despediam-se ao descer e até acenavam uns aos outros com cordialidade.
Dos quarenta e cinco a cinqüenta minutos que levava de casa até chegar ao centro da cidade, o Joca, agora, dava-se o luxo de ler o jornal. Ou um livro. Era apaixonado por leitura e raramente voltava pra casa sem passar pelas livrarias e inteirar-se dos últimos lançamentos. Ou pelos sebos, onde garimpava cada prateleira repleta de maravilhas. Dali, saía cantarolando, assobiando, lépido e faceiro como uma libélula esvoaçante, em direção ao ponto do ônibus.
O carro? Ora, o carro! Não era mais parte de sua rotina. Pertencia a um passado que nem gostava de recordar. Nos últimos tempos vinha servindo apenas para ir ao supermercado com a mulher, nos fins de semana e para viajar, vez por outra, nas férias ou em algum feriado prolongado.
Certo dia, por uma dessas situações inexplicáveis e inesperadas, foi à cidade... de carro. Meio contrariado. Já na entrada da Assis Brasil uma Brasília 68, com placas de Cachoeirinha, dirigida por um cidadão de boné, deu-lhe uma fechada magistral. Ágil, ele conseguiu safar-se. Mais adiante o motorista de uma camioneta de verdureiro avançou inadvertidamente na preferencial, deixando, por pouco, de causar uma tragédia. Ele deu uma freada súper rápida, respirou fundo, dominou seu impulso inicial de dizer um palavrão pro cara... e disse! Bem alto, prá todo mundo ouvir. 
O resto do trajeto transcorreu sem maiores sustos. Até teve sorte pois chegando ao centro um carro estava saindo da área azul, num local privilegiado, e ele aproveitou para estacionar. Dirigiu-se ao parquímetro, colocou algumas moedas, retirou o tíquete, colocou no painel, fechou o carro e saiu.
Passou no banco, foi ao escritório, entrou na Galeria Chaves, saiu na Rua da Praia, subiu a Ladeira, esteve na Assembléia, parou um pouco na Praça da Matriz, depois seguiu pela Duque até o Viaduto da Borges, desceu as escadarias, caminhou até à Praça XV, entrou no Mercado onde comprou alguns condimentos que a mulher mandou e por fim retirou na Junta Comercial a cópia do contrato social. Antes de ir embora teve vontade de tomar um sorvete. (O Joca adora sorvetes!) Voltou ao Mercado, chegou na Banca 40, lambuzou-se com uma Bomba Royal, tomou um guaraná, deu mais algumas voltas pelo tradicional Mercado e saiu.
Chegando à Praça Parobé, aguardou o ônibus, subiu, cumprimentou o cobrador, pagou, sentou-se e voltou pra casa, feliz da vida, assobiando, baixinho, “ô abre alas que eu quero passar...”.
Em casa, abraçou os filhos que acabavam de chegar do colégio. Logo chegou a mulher, que tinha ido à padaria.
- Oi, querido! Já chegou?!... Eu não vi o carro...
- Carro?!... Que carro???...   
Vando  
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Foto minha – Terminal Triângulo (Assis Brasil) – 18 Out 2010

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