A FAMÍLIA

"É preciso fazer realmente todo o esforço possível, para que a família seja reconhecida como sociedade primordial e, em certo sentido, soberana. A sua soberania é indispensável para o bem da sociedade. Uma nação verdadeiramente soberana e espiritualmente forte é sempre composta por famílias fortes, cientes da sua vocação e da sua missão na história. A família está no centro de todos estes problemas e tarefas: relegá-la para um papel subalterno e secundário, excluindo-a da posição que lhe compete na sociedade, significa causar um grave dano ao autêntico crescimento do corpo social inteiro". (João Paulo II em “Carta às Famílias” / 2 de fevereiro de 1994)

04 julho 2011

Réquiem para uma Cidade

A VIDA PASSOU POR AQUI  

Cedo, na manhã de inverno, o Sol deu ares de que finalmente ia aparecer. Então, cheio de entusiasmo, preparei-me e saí à cata de paisagens bonitas, com o intuito de fotografá-las. Quis buscar lugares graciosos, onde pequeninas casas ajardinadas, ao redor de praças também floridas, compusessem cenários coloridos e bucólicos repletos da beleza singela que tanto aprecio.  
Ocorreu-me a idéia, nesse dia, de conhecer uma Cidade não muito distante, à qual eu nunca fora antes, mas que, desde muito tempo, tive por cenário de devaneios: de lá, ainda encobertas por enigmas, tive referências, embora muito vagas, sobre origens de algumas raízes familiares.
Tomei a estrada e pouco tempo depois de iniciado o percurso, o Sol, que mal ensaiara sua entrada triunfal, mudou de idéia. Ocultou-se, encoberto por nuvens cinzentas. Maus presságios? Quem sabe?!
Persisti na minha decisão, mas chegando ao destino deparei-me com uma realidade bem diversa da que imaginara. O tempo e as circunstâncias haviam deixado lá apenas rastos de um passado cujos vestígios ainda atestam, teria sido promissor e alegre.  
Agora observo, consternado, somente casas em ruínas. Como isto foi possível?!...
Inconformado, tento adivinhá-las em sua época gloriosa, quando abrigavam pessoas felizes. Eu sei, por intuição, que foi assim, alguma vez. Tem que ter sido! Procuro vislumbrar famílias envolvidas em afazeres diários: filhos pequenos, hora do café cheiroso, avós contando histórias ou fazendo tricô. Imagino algazarra de crianças saindo para a escola, brincando na pracinha, fazendo traquinadas pelas ruas tranqüilas. E por breves instantes vêm-me ao imaginário os trabalhadores que ao final de cada dia retornavam ao lar, após a labuta no Arsenal.  Contudo, nem ao menos um espectro sutil desses personagens se materializa na paisagem fantástica – por que não dizer fantasmagórica? - que se plasma diante de meus olhos incrédulos.
Fixo-me no que restou dos monumentos da praça. Indago-me sobre placas de bronze que registraram efemérides resgatando a história da Cidade. Procuro marcas que reverenciaram  uma data importante, algum nome ilustre, um acontecimento relevante. Nada encontro.
Agora descubro um coreto. Com pesar examino o que sobrou de sua estrutura outrora aprazível. Certamente  fanfarras vibrantes ali tocaram nos dias de festa. Vejo bancos, hoje carcomidos e destroçados, nos quais um dia as pessoas sentaram ao cair da tarde e nos domingos ensolarados. Penso nas cores e na efervescência que numa época imprecisa enfeitaram a praça e no alarido esfuziante da população engalanada.  
Contrastando com meu esforço mental, o céu, acima, permanece escuro, ameaçador, enquanto ao redor tudo é silêncio. Um silêncio opressivo e pesado. Pesado demais para a expectativa que alimentei durante tanto tempo e que agora se transforma em decepção.
Sim, decepção. Sinto-me deprimido. A tristeza é profunda. Quase imensa. Só ruinarias e escombros constituem o acervo que me cerca. E as pessoas? Onde foram todos? O que foi feito deles? Por que ninguém aparece?  
Constato que estou atrasado. Muito. Custei demais a chegar. Não pude vir aqui quando queria e agora que concretizo o meu desejo não encontro ninguém para compartilhar uma saudação, trocar uma palavra, contar uma história, repartir um sorriso. A cidade está deserta. Deserta e morta!... A vida passou por aqui, bem antes de mim, e foi embora. Talvez jamais volte!...   
Nada mais tenho a fazer.  Por pouco, nem sei mais o motivo que me trouxe aqui. Então, cabisbaixo, retomo o caminho de volta, esforçando-me por acreditar que estive apenas sonhando um sonho cinzento e amargo, do qual logo estarei desperto.  
Quem sabe se, ao entrar na próxima rua, ela não estará em festa, florida e ensolarada, cheia de gente alegre?!  Quem sabe, no caminho, eu descobrirei casas graciosas com flores nas janelas e rostos conhecidos e muito amados de tempos imemoriais. Quem sabe, ao dobrar a esquina, eu encontrarei a cidadezinha bucólica e colorida, que durante tanto tempo alimentou a minha fantasia. Quem sabe?!...  
Vando
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- Foto minha, feita em setembro de 2010, em General Câmara, RS, Cidade que menciono.
- Redigi este texto adaptando-o do original que publiquei em “Retratos do Meu Jardim”.
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