PALAVRAS E MÚSICA
Sempre gostei de palavras cruzadas. Penso que é um passatempo agradável, que nos ajuda a encontrar vocábulos até então desconhecidos, neologismos ainda pouco difundidos, anacronismos que muitas vezes nos salvam de situações inusitadas ou atribuir a outros, significados dos quais nem fazíamos idéia.
Para o "cruzadista", além de um lápis "número dois" e uma borracha macia, (sou um reacionário, conservador), outra ferramenta importante que precisa ter sempre à mão é um dicionário. Não é indispensável, mas com freqüência nos abre caminhos que, sem ele, estaríamos no mato sem cachorro. Assim equipados, já temos condições de partir para o prazeroso exercício de nosso entretenimento favorito.
Antigamente – bem antigamente!... – eu gostava era das “charadas”. Estão lembrados delas? Havia as “novíssimas”, as “sincopadas”, “as “matemáticas”, as “enigmáticas”, para mencionar apenas as que lembro no momento. Mas bem antes também houve as “cartas enigmáticas”, redigidas com poucas letras e muitos números e figuras. Houve época em que eu não passava por uma banca sem comprar uma dúzia de revistas com todos os tipos de problemas e desafios, desde as mais elementares – aquelas bem faceizinhas – até as mais avançadas.
Mas voltando às palavras cruzadas, foi com elas que aprendi, ainda adolescente (e nunca mais esqueci) que "o antigo nome da nota dó" era ut. Não sei por que nunca questionei isto nem tive despertado o interesse em saber a origem dos nomes das outras notas – ré, mi, fá, sol, lá, si – o que até certo ponto me surpreende, pois sou um garimpeiro insaciável quando se trata de palavras.
Hoje, como de praxe, remexendo avidamente os meus “guardados”, encontro cópia de matéria publicada no jornal O Sul, (Porto Alegre, 2 de outubro de 2006), na coluna de Márcio Cotrim, "O Berço da Palavra", onde leio o seguinte:
"Fá, sol, lá, si, eis as notas musicais. Por assim dizer, os insumos básicos para a composição de qualquer melodia.
Seu berço nos leva ao monge beneditino Guido D’Arezzo, que viveu de 995 a 1050. Mestre do coro da Catedral de Arezzo, na Itália, ele deu nome às primeiras seis notas. Para isso, utilizou as sílabas iniciais dos versos de um hino latino a São João Batista que dizia assim: ‘Ut queant laxis/ Resonare fibris/ Mira gestorum/ Famuli tuorum/ Solve polluti/ Labii ratum/ Sancte Iohannes.’ Traduzindo para o Português: ‘Ó São João, purifica os nossos lábios maculados a fim de que possamos celebrar, plenamente, os teus feitos maravilhosos’.
A história desse hino é curiosa. Seu autor, o italiano Paolo Diacono, depois de pegar um bruto resfriado e ficar afônico, implorou a São João que lhe fizesse voltar a voz, e o pedido virou hino!
Os nomes das notas mantiveram sua forma primitiva até o século 17, quando foi acrescentada a sétima nota, si, pela junção das iniciais de Sancte Iohannes. No século 18, a primeira mudou de ut para dó, mais sonora para ser cantada."
Assim, sem nenhum esforço maior, terminei descobrindo algo que negligenciei através dos anos, e que, cultura inútil ou não, pode contribuir para que nos deliciemos numa leitura branda e, num momento oportuno, nos tire de um aperto na roda de amigos.
Dito isto, peço licença para terminar, pois preciso, urgentemente, resolver um monte de palavras-cruzadas do Jornal O SUL, que há dias venho guardando. Qualquer hora eu volto.
Vando
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Foto minha / Durante o recente 26º Festival de Música-UFSM, em Vale Vêneto, 4ª Colônia Italiana.
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