A FAMÍLIA

"É preciso fazer realmente todo o esforço possível, para que a família seja reconhecida como sociedade primordial e, em certo sentido, soberana. A sua soberania é indispensável para o bem da sociedade. Uma nação verdadeiramente soberana e espiritualmente forte é sempre composta por famílias fortes, cientes da sua vocação e da sua missão na história. A família está no centro de todos estes problemas e tarefas: relegá-la para um papel subalterno e secundário, excluindo-a da posição que lhe compete na sociedade, significa causar um grave dano ao autêntico crescimento do corpo social inteiro". (João Paulo II em “Carta às Famílias” / 2 de fevereiro de 1994)

13 maio 2012

A mão que afaga

De quem mesmo é o dia de hoje?
Wanderley Soares   
Saímos os dois pensando naquela mão amiga e na roupinha azul balouçando na corda do pátio vizinho.
Revelou-me que naqueles tempos nada entendia de madrugadas. Para ele existia o dia para vadiar e as noites para dormir. E quando dormia, o mundo parava. Sequer conseguia chegar a uma leitura de seus sonhos, mas já identificava seus pesadelos, que se resumiam a fugir da perseguição de um cão da vizinhança ou de ser atacado pelos botes rápidos e certeiros dessas aranhazinhas papa-moscas. Sobressaltado, acordava sentindo na testa uma mão amiga que o salvava de cães, aranhas, ratos gigantes e de outros monstros que durante suas vadiagens pareciam pequenos e inofensivos, mas que, durante as febres, cresciam e se tornavam ferozes. Acomodava-se sem abrir os olhos e, mais uma vez, o mundo parava. Não tinha me dado conta de que também eu havia passado por aqueles momentos, como todos nós, afinal. Suas recordações eram de quando chegara aos quatro anos de seu ingresso na humanidade.
Pouco mais do que um menino, começou ele a notar que as pessoas falavam na beira dos fogões, com gosto maior, mais de suas agruras do que em caminhadas por grama fofa, pelas tardes mornas dos outonos. Suas vadiagens, então, não eram as mesmas e sem sentir as dores de um passado em formação e não temer o futuro que lhe parecia eterno, vivia o presente, longe daquelas conversas e sem medo dos cuscos da vizinhança e das aranhas saltadeiras. Chegaram os primeiros amigos e até os primeiros desafetos. Sentia sempre em sua testa aquela mão amiga que o salvara de tantos monstros e que transformou os desafetos em amigos e lhe livrou das febres das primeiras traições. Lembrou que numa tarde viu balouçar na corda de secar roupas, num pátio vizinho, a roupinha azul de uma menina que nunca olhara nos seus olhos. Mas nos seus olhos balouçava aquela roupinha que foi o primeiro sonho que aprendeu a interpretar.
Quando meu bom amigo me falava sobre essas coisas, entre um mate e outro bebericávamos uma caipirinha, sob um outono anunciante de que em breve seríamos invadidos pelo inverno, que nunca foi nosso algoz, apenas cumpria sua missão. Vinha-nos à lembrança as panelas na mesa, os sopões, o feijão mexido e café preto, o carreteiro de charque, o pão feito em casa, o doce de batata doce, o arroz de leite com canela. E sentimos que nada disso terminara. Chegamos nas madrugadas em que o mundo não para. Descobrimos que sonhos e pesadelos estão sempre presentes a rondar nossos dias e noites e que o melhor mesmo é parar o mundo em nossos sonhos. Terminamos nosso dia na mão amiga, sempre presente em tudo isso, que nos livrou dos pesadelos. Saímos os dois pensando naquela mão amiga e na roupinha azul balouçando na corda do pátio vizinho. Perguntou-me ele, na despedida: - De quem mesmo é o dia de hoje?  
* * *  
Surrupiei do Wanderley Soares (outra vez!...) e com a maior cara de pau diante do furto tão furtivo ofereço a todas as Mães, no dia de hoje. E também, em particular, a todos os filhos.
Vando
Transcrito do jornal O SUL - Porto Alegre, Domingo, 13 de Maio de 2012.
Ilustração / Foto: “Roupas no Varal” © Eduhhz  


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