A FAMÍLIA

"É preciso fazer realmente todo o esforço possível, para que a família seja reconhecida como sociedade primordial e, em certo sentido, soberana. A sua soberania é indispensável para o bem da sociedade. Uma nação verdadeiramente soberana e espiritualmente forte é sempre composta por famílias fortes, cientes da sua vocação e da sua missão na história. A família está no centro de todos estes problemas e tarefas: relegá-la para um papel subalterno e secundário, excluindo-a da posição que lhe compete na sociedade, significa causar um grave dano ao autêntico crescimento do corpo social inteiro". (João Paulo II em “Carta às Famílias” / 2 de fevereiro de 1994)

02 junho 2013

A crônica que não é minha

       Começo o mês publicando a crônica de um dos colunistas que muito respeito, embora algumas restrições naturais decorrentes de posições com as quais, nem sempre, compartilho. Todavia, aprecio-o bastante, o que atesta outras belas páginas dele que tenho publicado aqui.

       Chamou-me a atenção, principalmente, as armadilhas da língua que espreitam aqueles que escrevem, ou se expressam oralmente, e nem sempre estão atentos. Ao final ele resume a sua tese, com absoluta propriedade, mencionando um fato atual que de algum modo atingiu a nós todos.

       Mas... vamos à crônica.

Vando
Apenas, excelência?
Havia palavras que ele não considerava inimigas, mas que procurava não cultivar com elas uma aproximação maior.
       O universo real, segundo me falava Frosch, não difere de sonhos e pesadelos. Ocorre estarmos a cismar sobre sonhos ligeiros que, narrados, durariam dias. Aquele velhinho na Índia morreu com 124 anos e dele se pode dizer que viveu 124 anos. Nada mais. Ali, naquele lugarejo, viveu um mulatinho que morreu de apoplexia aos 24 anos e deixou duzentas composições musicais. Assim são as coisas oníricas, assim é o mundo real. Frosch, ao falar, viajava sem rumo definido e contava que as pessoas, na sua fluidez, são como palavras amigas e, outras, ele não considerava inimigas. No entanto, não negava antipatia por alguns vocábulos, como antipáticos são alguns vizinhos com quem cordialmente falava. Para Frosch, tudo se resumia a sonhos e pesadelos. As palavras e as pessoas. A vida.

       Sobre as palavras que envolviam sonhos e pesadelos, Frosch dava exemplos daquelas com a quais guardava, com carinho, um leal distanciamento, sem magoá-las. Uma das que me marcaram e sobre ela até palestras fiz, é "ainda". Frosch recomendou-me que não a tivesse como inimiga, mas nunca como companheira amiga. Deu-me algumas indicações nada complicadas, sem conotações pré ou pós modernas, como aquele encontro entre dois velhos amigos que há muito não se viam e um deles perguntou: "Ainda estás com a Ursulina? - Teus pais ainda estão vivos? - Ainda és caixa do Banco do Brasil?". Ora, Ursulina, feiosa, sempre foi o grande amor do velho amigo, cujos pais eram provectos donos de uma pousada no Morro dos Conventos e ele era caixa laureado do Banco do Brasil.
       Lembrei de Frosch, das palavras e das pessoas amigas e outras não inimigas quando li as ponderações de um desembargador que decidiu pela liberdade de um grupo acusado de envolvimento na morte de 242 jovens no incêndio da boate Kiss, em Santa Maria. Tudo judiciosamente correto e explanado com máxima clareza à luz da lei e da magnanimidade do ilustre togado. No entanto, o magistrado, sem recorrer a Frosch, sobre quem sequer ouviu falar, na justificativa de sua decisão disse: "Hoje, passados quatro meses, o abalo vai se dissipando. Perdura apenas a dor dos familiares, amigos, namorados e dos sobreviventes". Falei com Frosch sobre o pesadelo e ele, num salto, sem que eu pudesse contê-lo, passou a repetir: "Apenas, excelência... apenas, excelência, apenas, excelência?...".  
Wanderley Soares
*
Jornal O SUL, Porto Alegre, RS, domingo, 2 de junho de 2013

Nenhum comentário: