CRÔNICA ATMOSFÉRICA
Quando começo estas poucas e
mal traçadas, está fazendo 35 graus à sombra, e vai piorar, graças ao Diabo.
Isso é mesmo literalmente infernal, porque estiola o verde das esperanças
novas, plantinhas frágeis e sentimentais e que, como sabeis,apenas dão flor uns
poucos dias por ano, de 24 de dezembro a 6 de janeiro. Como vedes vim a cair
nessa comum vulgaridade de comentar o tempo... E a primeira conseqüência dessa
pressão atmosférica foi que não me animei a ir passar os telegramas de feliz
Natal e ano-novo.
Não, não quer dizer que me haja
esquecido de quem quer que seja... Pois na falta de telegrafia apelei para a
telepatia. De modo que se o Aristarco, o Goida, o Lewgoy, o João, a Nega Fulô,
a Elizabeth, a Terceira, a Eurídice, a Única, a Vera, la de los ojos color de uva, o nosso querido diretor , o Ribeiro, o
Austregésilo de Athayde “o Eterno”, a Bruna, com sus ojos color de sulfato de cobre, a Nídia, a Adriana, se nenhuma
dessas pessoas chegou a receber o meu telepatograma é que deve haver algum
desarranjo na sua aparelhagem de recepção e não na minhas transmissora.
Mas, graças a Deus, nem tudo me
foram espinhos e suor neste fim de ano.
Pois acabo de descobrir uma
volúpia nova. Sosseguem, velhinhos, não é nada disso do que vocês estão
antegozando... Foi simplesmente que, estando eu aparelhado com um vigésimo da
“bruta” da Federal, procuro-o no bolso interno esquerdo do paletó para
namorá-lo mais uma vez, talvez para hipnotizá-lo... Procuro-o no bolso interno
direito, procuro-o até naquele bolso de cima reservado para o clássico lencinho
de ponta virada que eu nunca usei porque acho isto uma besteira... e nada!
Procuro-o por todos os bolsos
de todas as calças, no fundo, dentro e embaixo dos móveis, até que, com uma
máscara de tragédia grega, chego à conclusão fatal: perdi-o!
Aconselho-te, pois, paciente
leitor, a comprar um bilhete inteiro da próxima extração. Compra-o e rasga-o em
pedacinhos. E lança-os aos quatro ventos do Destino. Verás o que é sensação,
verás como sacodes a alma dessa medíocre mesmice de sempre, e verás como
vibras, como vives a vida!
* * *
- MÁRIO QUINTANA -
“Da Preguiça como Método de
Trabalho” – 2ª edição 2007, 1ª reimpressão 2009, Editora Globo S. A., SP
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