ZUMBIS E LÁPIS COLORIDOS
Brinquedos que se brinca sozinho quando não se tem com quem brincar
Restam poucas velharias no baú imaginário que um dia guardou bugigangas como se fossem tesouros. Entre quinquilharias remanescentes repousam
como objetos sem valor. Coisas sem graça. Sem mais a beleza que ostentaram nos
tempos de antanho.
Não passam de sobras esmigalhadas de um passado que às vezes emerge do
limbo em que esteve submerso em busca de refúgio, exausto pelo tentame persistente,
mas inútil, de alcançar a eternidade.
Transformaram-se em inutilidades. Cientes de não terem mais nenhum
préstimo, esconderam-se tímidas. Sentiram-se pejadas de serem vistas no estado
de indigência a que chegaram: nada além de trastes sombrios e tristonhos.
Agora, cobertas de poeira cheirando a mofo, transmutam-se de zumbis a meros
fantasmas corporificados, na tentativa derradeira de ressurgir das ermas onde
se ocultaram sob um sossego falso, entremeado de sobressaltos.
São despojos doridos só reconhecíveis por quem com eles privou da
intimidade, em eras ditosas, compartilhando, muitas vezes, seus folguedos e
utopias: brincadeiras como aquelas que a gente brinca sozinho porque não tem
com quem brincar.
São imagens antepassadas revolvendo as cinzas dos anos mortos. Resíduos
de infância longínqua, como soldadinhos de chumbo que de repente despertam do
sono merecido após o arremedo de tantas batalhas heroicas, das quais sempre
saíram ilesos e dos dias de gala quando desfilavam garbosos por alamedas
ilusórias.
Velhas fotografias amareladas e desbotadas. Cadernos da escola com
frases ditadas pela professora inesquecível – onde será que ela anda?!...
Livros antigos, adornados com iluminuras magníficas e filigranas graciosas, contando
histórias fantásticas, incitando à imaginação percorrer cenários de um mundo
acessível apenas aos espíritos ainda sem maldades. Relembranças de contos,
fábulas e lendas; da terna simplicidade das cantigas de ninar; dos acordes monótonos, mas sublimes,
de um cantochão; de aventuras extraordinárias e amores impossíveis.
Pedaços de lápis coloridos misturados numa desordem lastimosa, nem
sombra dos mesmos que antigamente desenhavam sapos, lagartas e pandorgas,
nuvens e jardins ou tentavam, com rabiscos e garatujas – caracteres toscos e
feiosos, mas impregnados de ternura – narrar os sonhos e os ideais
acalentados.
Folhas amarfanhadas e corroídas pelas traças preservando, contudo,
quase ilegíveis, fragmentos de orações bisonhas e rimas ensaiadas, muito pobres
todas elas, na vã tentativa de compor versos e poemar.
Quimeras perdidas na pálida névoa do pretérito, agora resgatadas...
Dele, do baú das reminiscências, emanam estas memórias remotas que
assomam depois de tanto tempo adormecidas, trazendo consigo lembranças absortas
de suavidade e melancolia…
Vando
* * *
Faz mais de três anos que escrevi este arremedo de crônica. Depois de algum tempo resolvi publicá-lo num
blogue que cometi e que teve curta existência: “Rabiscos e Garatujas”. Era um blog do qual eu gostava, mas devido a diversos contratempos terminei trocando seu título e depois de diversas mudanças acabou
descaracterizado. Então decidi deletá-lo. Coisas da vida!... A crônica, porém, eu guardei e hoje reentrego a vocês. Espero que a apreciem.
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