A FAMÍLIA

"É preciso fazer realmente todo o esforço possível, para que a família seja reconhecida como sociedade primordial e, em certo sentido, soberana. A sua soberania é indispensável para o bem da sociedade. Uma nação verdadeiramente soberana e espiritualmente forte é sempre composta por famílias fortes, cientes da sua vocação e da sua missão na história. A família está no centro de todos estes problemas e tarefas: relegá-la para um papel subalterno e secundário, excluindo-a da posição que lhe compete na sociedade, significa causar um grave dano ao autêntico crescimento do corpo social inteiro". (João Paulo II em “Carta às Famílias” / 2 de fevereiro de 1994)

28 novembro 2013

Reminiscências

ZUMBIS E LÁPIS COLORIDOS


Brinquedos que se brinca sozinho quando não se tem com quem brincar

  
  Restam poucas velharias no baú imaginário que um dia guardou bugigangas como se fossem tesouros. Entre quinquilharias remanescentes repousam como objetos sem valor. Coisas sem graça. Sem mais a beleza que ostentaram nos tempos de antanho.

  Não passam de sobras esmigalhadas de um passado que às vezes emerge do limbo em que esteve submerso em busca de refúgio, exausto pelo tentame persistente, mas inútil, de alcançar a eternidade.

  Transformaram-se em inutilidades. Cientes de não terem mais nenhum préstimo, esconderam-se tímidas. Sentiram-se pejadas de serem vistas no estado de indigência a que chegaram: nada além de trastes sombrios e tristonhos. Agora, cobertas de poeira cheirando a mofo, transmutam-se de zumbis a meros fantasmas corporificados, na tentativa derradeira de ressurgir das ermas onde se ocultaram sob um sossego falso, entremeado de sobressaltos.

  São despojos doridos só reconhecíveis por quem com eles privou da intimidade, em eras ditosas, compartilhando, muitas vezes, seus folguedos e utopias: brincadeiras como aquelas que a gente brinca sozinho porque não tem com quem brincar. 

  São imagens antepassadas revolvendo as cinzas dos anos mortos. Resíduos de infância longínqua, como soldadinhos de chumbo que de repente despertam do sono merecido após o arremedo de tantas batalhas heroicas, das quais sempre saíram ilesos e dos dias de gala quando desfilavam garbosos por alamedas ilusórias.

  Velhas fotografias amareladas e desbotadas. Cadernos da escola com frases ditadas pela professora inesquecível – onde será que ela anda?!... Livros antigos, adornados com iluminuras magníficas e filigranas graciosas, contando histórias fantásticas, incitando à imaginação percorrer cenários de um mundo acessível apenas aos espíritos ainda sem maldades. Relembranças de contos, fábulas e lendas; da terna simplicidade das cantigas  de ninar; dos acordes monótonos, mas sublimes, de um cantochão; de aventuras extraordinárias e amores impossíveis.

  Pedaços de lápis coloridos misturados numa desordem lastimosa, nem sombra dos mesmos que antigamente desenhavam sapos, lagartas e pandorgas, nuvens e jardins ou tentavam, com rabiscos e garatujas – caracteres toscos e feiosos, mas impregnados de ternura – narrar os sonhos e os ideais acalentados.  

  Folhas amarfanhadas e corroídas pelas traças preservando, contudo, quase ilegíveis, fragmentos de orações bisonhas e rimas ensaiadas, muito pobres todas elas, na vã tentativa de compor versos e poemar.

  Quimeras perdidas na pálida névoa do pretérito, agora resgatadas...

  Dele, do baú das reminiscências, emanam estas memórias remotas que assomam depois de tanto tempo adormecidas, trazendo consigo lembranças absortas de suavidade e melancolia…

Vando 

* * * 

Faz mais de três anos que escrevi este arremedo de crônica. Depois de algum tempo resolvi publicá-lo num blogue que cometi e que teve curta existência: “Rabiscos e Garatujas”. Era um blog do qual eu gostava, mas devido a diversos contratempos terminei trocando seu título e depois de diversas mudanças acabou descaracterizado. Então decidi deletá-lo. Coisas da vida!... A crônica, porém, eu guardei e hoje reentrego a vocês. Espero que a apreciem. 

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