A FAMÍLIA

"É preciso fazer realmente todo o esforço possível, para que a família seja reconhecida como sociedade primordial e, em certo sentido, soberana. A sua soberania é indispensável para o bem da sociedade. Uma nação verdadeiramente soberana e espiritualmente forte é sempre composta por famílias fortes, cientes da sua vocação e da sua missão na história. A família está no centro de todos estes problemas e tarefas: relegá-la para um papel subalterno e secundário, excluindo-a da posição que lhe compete na sociedade, significa causar um grave dano ao autêntico crescimento do corpo social inteiro". (João Paulo II em “Carta às Famílias” / 2 de fevereiro de 1994)

10 março 2012

Ode quase elegia


PORTO ALEGRE DE TODOS OS SANTOS


- Da série "RETRATOS DO MEU JARDIM" / Evandro (C) 2011 -

Esta minha Cidade,  pela qual sou eterno apaixonado, esteve desde suas origens sob a proteção dos Céus.  

Tão logo aqui chegaram os Açorianos, no ano de 1751, passou a ser identificada como  “Porto de São Francisco dos Casais”. Vinte e um anos depois, em 26 de março de 1772, foi batizada como “Nossa Senhora Madre de Deus de Porto Alegre” e a Mãe Santíssima, tornada Padroeira, a partir dessa época não mais deixou de ser invocada pelos cidadãos desta Mui Leal e Valerosa Cidade, tomando definitivamente o lugar que, no começo, foi de “São Chico”.  Tanto foi assim que a Mãe de Jesus deu nome a bairros, ruas e locais que hoje são de todos conhecidos: Auxiliadora, Glória, Navegantes, rua da Conceição e complexo Túneis/Viadutos da Conceição, ruas Santa Maria, N. S. Aparecida, N. S. de Fátima, N. S. das Graças, N. S. De Lourdes, N. S. Medianeira... 

Paralelamente, foram surgindo novos bairros, avenidas, ruas, travessas, que receberam nomes de outros santos, dos quais ficaram sob proteção. Seria tedioso mencionar todos mas selecionei alguns, o suficiente para confirmar esta constatação. Vejam: bairros São João, São Sebastião, Jardim São Pedro, Santa Maria Goretti, São Geraldo, Santa Cecília, Bom Jesus, Cristo Redentor, Espírito Santo, Medianeira, Morro Santa Teresa, Morro Santana, Morro São Pedro, Morro Santo Antonio, São José... Ruas Santa Terezinha, São Vicente de Paula, Santa Vitória, Santana, Santo Agostinho, Travessas São Damião, São Jacó, São José, São Lourenço, ruas Santo Alfredo, Santo Amaro, Santo Ângelo, Santo Antonio, Santa Bárbara, São Benedito, São Borja, São Carlos, Santa Catarina, Santa Cecília, Santa Clara, Cristo Rei, São Domingos, Espírito Santo, São Felipe, Santa Flora, São Francisco de Assis, Santa Helena, Santo Inácio, São Jerônimo, São João, São Joaquim, São Jorge, São Judas Tadeu, São Lucas, São Luís, Santa Luzia, Santa Madalena, São Manoel, São Marcos, São Mateus, São Miguel, São Nicolau, Santa Paula, Santa Rita, Santa Rosa, Senhor do Bom Fim, Senhor dos Passos, Santa Tecla, São Simão, avenidas São Paulo, São Sebastião, São Pedro... Haja logradouros para tantos santos!

Que bom que a gente mora, trabalha, estuda e vive numa Cidade que está dedicada a Seres celestiais de tal gabarito! Espíritos elevados, de todas as origens e categorias nos protegem dia e noite, guiam os nossos passos, conduzem-nos por alamedas perfumadas  (algumas nem tanto, convém ressaltar), velam o nosso sono, iluminam e colorem os nossos sonhos transformando-os, algumas vezes, em maravilhosa realidade.  

Protegidos por  legião tão seleta, nem precisaríamos de polícia, guardas de trânsito, leões de chácara, câmeras de vigilância, flanelinhas nem azuizinhos. Poderíamos sair à noite, andar na pracinha, comer sorvete e pipoca no parque, passear de bicicleta, caminhar de mãos dadas e sentar na calçada com as janelas de nossas casas abertas enquanto olhássemos os vagalumes pisca-piscantes no campinho do outro lado da rua.  

Mas... que pena que  bem pouco disto – ou quase nada - é verdade! Nossa Cidade é linda, sim! É abençoada, sim! Mas ainda estamos muito longe de vê-la como tão apaixonadamente a idealizamos. As santas e santos cujos nomes são invocados nas nossas ruas e praças, sentem-se, como nós, impotentes e pouco conseguem fazer para nos afastar dos perigos permanentes a que estamos expostos. Até para eles é trabalho em excesso.  

Nem quando circulamos nos lugares públicos, nem dentro de nossas casas e apartamentos estamos seguros. Vivemos encarcerados, atrás de grades, rodeados de cercas eletrificadas, cães ferozes, correntes, cadeados, alarmes e todo um arsenal que além de não nos assegurar a proteção almejada, muitas vezes se volta contra nós mesmos. Veja-se, por exemplo, as notícias sobre encantadores e carinhosos pit-bulls e rottweilers que, de um momento para outro, atacam e destroçam bebezinhos e crianças indefesas que queriam apenas fazer-lhes um cafuné. Ou de algum inocente, incauto, eletrocutado na parada do ônibus, na quadra esportiva da escola ou na grade de proteção da casa onde morava. Sem incluirmos os assaltos a bancos, dentro dos quais nós não conseguimos entrar portando o chaveiro, o telefone celular ou o marca-passo cardíaco, mas por onde qualquer marginal, por mais amador que seja, passa tranquilamente carregando bazucas e mísseis terra-ar sem serem percebidos.

Os bens materiais ou não de que dispomos, entre eles a própria Vida , pouco ou nenhum valor têm, quando confrontados com a ânsia criminosa que a todos persegue dia e noite.  

Nosso estado de pânico é permanente e quando conseguimos superá-lo e nos arriscamos a um passeio pela Cidade que amamos, vemos,  humilhados, os muros de nossas casas e condomínios, os edifícios, os prédios históricos, os viadutos, parques, praças e monumentos que contam a nossa história. Tudo está depredado, destruído, danificado, sujo. A pichação independe do local que o vandalismo escolhe para perpetrar seus atentados: pode acontecer ao rés do chão ou na fachada do 32º andar do edifício imponente, ícone de cartão postal.  Sem qualquer sentimento de piedade, de respeito. Sem quaisquer resquícios de pudor ou constrangimento. São malfeitores de todas as tendências que não conseguem assimilar o que seja viver em sociedade, nem aceitam que uma cidade possa ser limpa, bonita e civilizada. 

Esta é a realidade. Sem maquiagem ou retoque. Uma realidade que me fez mudar o rumo da crônica com a qual eu queria homenagear a minha Porto Alegre na passagem de seus 240 anos. De repente comecei a achar tudo sem graça e fiquei triste. Será, minha Cidade linda, que mereces tanta desconsideração e desprezo? Por que fazem isto contigo?!...

Tomara  que no ano que vem, quando estiveres fazendo 241 anos, tudo esteja  melhor e mais bonito. Talvez se, discretamente, usarmos algumas guias de contas coloridas, fitinhas do Senhor do Bom Fim ou pés de coelhos, patuás, galhos de arruda estrategicamente colocados atrás das orelhas, ou sairmos por aí com os dedos cruzados, poderemos dar uma força pra ti. Acho que assim estaremos assessorando os santos e santas que, circunspectos, observam, de algum lugar do universo, o nosso comportamento e avaliam as angústias e decepções que ano após ano vamos remoendo em silêncio.

Nossos protetores celestes com certeza partirão um dia para uma ação mais efetiva, depois de escutar as nossas rogativas, preces e súplicas, e saberão ponderar os nossos merecimentos, se é que os temos, e envolver-te, minha Porto Alegre, na luz e na beleza que em ti são inatas, mas que a nossa incúria tem impedido até agora de resplandecer.

Nestes teus 240 anos, renovo por ti o meu amor incontido e a esperança de que valha-nos Deus!
Vando
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Foto minha, tirada em 12-Dez-2011 

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