“...daqueles que fazem muita diferença em minha vida, pois ficaram em
um passado que de repente virou presente e agora futuro, (...) mas a história
de cada um de nós toma rumos diferentes que muitas vezes foge ao nosso
controle...” (Adroaldo, Guarulhos, SP, 20 Set 2012)
NEM FELINO NEM CANZARRÃO
Tempos atrás, em uma de minhas
postagens, fiz referência a um trecho de crônica, antiga, que escrevi, não
lembro bem a data. Recordo apenas o motivo que me moveu enquanto o redigia. Eis
o trecho: "O passar dos anos
propicia-nos uma vantagem: ter o que contar sem precisarmos ser (muito)
saudosistas, escravizando-nos ao passado. É bom sentir saudade, mas ela tem que
ser uma evocação suave, alegre e, tanto quanto possível, divertida. E ser
contada com algum humor e até ironia, mesmo nas passagens que mais nos tocam -
não importando quão profundamente".
É uma pena que eu não recorde
quando e onde publiquei a crônica completa. Mas devo ter o original gravado em algum
CD decrépito que, de repente, numa de minhas próximas garimpagens, terminarei
por reencontrar. Sei que escrevi isto num dia em que os leucócitos de meu
astral estavam meio-bastante em baixa, o que pode ser percebido nas
entrelinhas. Nessa ocasião eu recordava antigos tempos de adolescência na Vila
do IAPI, e evocava episódios e gentes que naquelas longínquas eras compartilharam
comigo as mesmas trilhas e alguns brejos e que, com o decorrer dos anos, sumiram,
luarizaram-se, deixando lacunas que nunca foram preenchidas e jamais o serão. O
texto pode parecer contraditório, mas foi um artifício consciente de que me
utilizei para atenuar o banzo que eu estava sentindo.
O que tem isto a ver com o dia de
hoje? Sinceramente, não sei. Penso que há em comum entre ele e esta data a
saudade. Apenas a saudade. Esta sim está presente na vida de cada um. Em todo
momento, independente do dia e da hora. Vez por outra, emerge de nosso
subconsciente, e nos causa sentimentos frequentemente paradoxais. Às vezes nem
sabemos bem por que - ou de que - sentimos saudade. Do que fomos, talvez? Do
que tivemos e não temos mais? Das pessoas que passaram pelas nossas vidas e nos
deixaram, ou que nós deixamos? Do que gostaríamos de ter vivido e não vivemos? Do
que não fomos e gostaríamos de ter sido?...
Ela – a saudade – seguidamente nos
sitia e o faz de modo repentino. Nem estávamos pensando nela quando, num átimo,
vemo-nos assolados. Ela não tem, ao menos, a sutileza da aproximação cautelosa,
lenta, cuidadosa, premeditada. Quando chega atinge-nos em cheio, sem
constrangimentos ou recato. Tal investida pode ser comparada com a atitude de
certos animais de estimação que todo mundo tem em casa: a do gato, que quando quer
afago, se aproxima manso, calmo, silencioso e a do cão – seja cãozinho ou
canzarrão – que se atira sobre a gente com o ímpeto de um bólido deslumbrado.
Pois a saudade é assim. Ou quase, tendendo muito menos para o felino e muito
mais para o nosso pitibulzinho particular.
Saudade! É um sentimento
incoerente. E, por isto mesmo, difícil de administrar. O problema é que precisamos
estar preparados para conviver com ela. E nos esforçarmos para domesticá-la, quando
ela chega – e vai chegar! - tornando-a doce, de modo a transformar-se em boa
companheira, ou pelo menos numa parceira tolerável. Se não lograrmos tal
sucesso, ela se configura simplesmente insuportável. Um verdugo implacável. Ou,
na melhor das hipóteses, uma velha rabugenta, ranzinza, que nos traz
desconforto e mal estar. Aqui, cabe perfeitamente a máxima tradicional: se não podes vencer o inimigo, alia-te a ele.
Na verdade, esta máxima me parece um atestado público de frouxidão. De
burrice. Não sei quem teve a ideia de
tal disparate – nem se algum imbecil disse, realmente, tal coisa nem em que
circunstâncias. Mas devo ter lido em algum lugar e agora que me veio à mente, e
na falta de outra melhor, aproveito para utilizar aqui.
Bem, eu podia continuar falando mais
um pouco de saudade, pelo menos sobre a saudade que mais de perto conheço. É um
tema interessante para ser desenvolvido. Entretanto, se eu ousasse fazê-lo, correria
o risco de me perder em divagações e devaneios sem qualquer sentido, que além
de não levarem a nada poriam a perder o que já escrevi . Assim, o bom senso me
recomenda que eu finalize enquanto é tempo.
Para não terminar bruscamente,
permitam que eu me socorra de meu guru, Mario Quintana, o meu poeta,
surrupiando dele o que escreveu sobre a Saudade, e que transcrevo, agora, do
livro “Caderno H”, Ed. Globo, Porto Alegre, 1977, página 99, de minha
biblioteca, que devo continuar publicando nos próximos dias em meu outro blog
“SAPATOS E CATAVENTOS”. Ninguém melhor do que os poetas para falarem sobre
saudade. Vejam:
“A saudade que dói mais fundo – e
irremediavelmente – é a saudade que temos de nós.”
Vando
* * *
Foto: Acervo familiar / Evandro (três anos) e Luzia (um ano) - Praça Guia Lopes, Teresópolis,
1943
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