Ano novo
Que eu não esqueça, jamais, de
agradecer ao meu Deus pelos dons com os quais fui gratuitamente dotado e de
suplicar-Lhe perdão pela forma negligente com que me utilizo deles em favor do
meu próximo.
Fim da contagem regressiva. Então
o desembrulhamos da embalagem colorida com que fomos presenteados. Chegou
cintilante, barulhento, anunciado por fogos de artifício, sob aplausos e
invocações de boa sorte. Veio recheado de presságios animadores, depois das
apreensões e expectativas que marcaram os dias recentes. Surgiu de um momento
para outro – não inesperadamente, mas num átimo que tornou o instante da
transição imediato e indolor.
Ei-lo aqui, agora, diante de nós
ainda boquiabertos, sem sabermos ao certo o que fazer com ele, tão novinho,
recém saído do almoxarifado de Cronos.
Durante milênios esteve
aguardando sua hora. Finalmente a ela aportou. O Ano Novo, com sua fisionomia
simpática mas não definida de todo, olha-nos espantado como quem encara
surpreso uma paisagem inusitada onde aborígenes sibilantes promovem estranhos
rituais.
É festa. São sorrisos. São
brindes borbulhantes. Muitos dançam e cantam. Alguns, ao contrário, se recolhem
em silêncio e elevam preces fervorosas às divindades de suas crenças, rogando
bonanças. Outros extravasam uma emoção até então contida, e choram baixinho,
compartilhando amplexos com os seres amados. Pelas mentes repassam imagens que
agora já pertencem irreversivelmente ao pretérito. Promessas são refeitas e
novos planos são traçados, na certeza de que desta vez todos os bons propósitos
serão cumpridos e a miríada dos sonhos acalentados, dissipados pelo caminho não
mais acessível, se transformará, enfim, na mais jubilosa realidade.
É tempo de rever conceitos. De
avaliar o que valeu e o que não valeu a pena. De repensar os atos cometidos e
redirecionar comportamentos.
Quanto àqueles que me cercam não
me cabe julgar nem cogitar de suas novas metas. De mim, entretanto, posso
assumir que vou me esforçar bastante para reconstruir os caminhos dilapidados
pela incúria, pois muitas foram as minhas impertinências que o ano velho levará
consigo, relegando-as ao arquivo morto da eternidade.
Neste momento proponho-me,
sinceramente, que em 2013 tratarei com mais cortesia a telefonista que do outro
lado da linha apenas cumpre com o seu dever. Que não promoverei mais nenhuma
rinha pela vaga no estacionamento sob a alegação de que cheguei primeiro. Que
saberei tolerar com bom humor os dias de frio e de chuva e não mais direi
palavrões nem xingarei a humanidade quando faltar luz e o meu computador tiver
que ter restaurado todo o seu sistema para voltar a funcionar. Que procurarei
fotografar mais pessoas do que bichos, paisagens e muros cobertos de musgo. Que
não mais dormirei antes de pedir perdão pelas mil faltas que cometi durante o
dia. Que pela manhã, ao acordar, trarei na face o meu melhor sorriso de
gratidão pela noite de sonhos e pela oportunidade nova que a vida me oferece
para ser feliz e compartilhar esta felicidade com aqueles a quem amo muito e
com aqueles a quem amo pouco ou nem aprendi, ainda, a amar.
E se no final de mais este ano
tiverem restado outra vez, nas trilhas por onde andei, montanhas de frangalhos
e fragmentos rotos testemunhando a passagem de mais uma etapa que eu causei
frustrada, que os deuses tenham de mim a compaixão suficiente e não me neguem a
condescendência de que estarei carente. Pois, apesar de mim e de tudo, um dia
haverá novos tempos em que as faltas cometidas e os erros perpetrados serão
remidos em definitivo, pois a Grande Lei assim decidiu que fosse.
* * *
A vocês que conseguiram chegar
até aqui com a consciência do dever cumprido, os votos de um feliz e próspero
Ano Novo. E aos que ainda não alcançaram o sucesso almejado, que jamais falte a
palavra de fé, o incentivo fraterno e a esperança renovada de que a Vida
renasce todos os dias e as oportunidades se multiplicam na mesma proporção em
que se apresentam os desafios.
Para todos nós, enfim, que fique
a Paz, a Harmonia e o Amor, este sim, indispensável e insubstituível.
Vando
*
Foto minha / Praça Saldanha
Marinho, Santa Maria, RS, Natal de 2012
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