APRENDE
A ESCREVER NA AREIA
(Lenda oriental)
Dois amigos, Mussa e Nagib, viajavam pelas extensas estradas que circulam as tristes e sombrias montanhas da Pérsia. Ambos se faziam acompanhar de seus ajudantes, servos e caravaneiros.
Chegaram, certa manhã, às margens de um grande rio, barrento e impetuoso, em cujo seio a morte espreitava os mais afoitos e temerários.
Era preciso transpor a corrente ameaçadora. Ao saltar, porém, de uma pedra, o jovem Mussa foi infeliz. Falseando-lhe o pé, precipitou-se no torvelinho espumejante das águas em revolta. Teria ali perecido, arrastado para o abismo, se não fosse Nagib. Este, sem um instante de hesitação, atirou-se à correnteza e, lutando furiosamente, conseguiu trazer a salvo o companheiro de jornada.
Que fez Mussa? Chamou, no mesmo instante, os seus mais hábeis servos e ordenou-lhes gravassem na face mais lisa de uma grande pedra, que perto se erguia, esta legenda admirável:
"Viandante! Neste lugar, durante uma jornada, Nagib salvou, heroicamente, seu amigo Mussa".
Isto feito, prosseguiram, com suas caravanas, pelos intérminos caminhos de Allah.
Alguns meses depois, de regresso às terras, novamente se viram forçados a atravessar o mesmo rio, naquele mesmo lugar perigoso e trágico. E, como se sentissem fatigados, resolveram repousar algumas horas à sombra acolhedora do lajedo que ostentava bem no alto a honrosa inscrição.
Sentados, pois, na areia clara,
puseram-se a conversar. Eis que, por um motivo fútil,
surge, de repente, grave
desavença entre os dois companheiros. Discordaram. Discutiram. Nagib, exaltado,
num ímpeto de cólera, esbofeteou, brutalmente, o amigo. Que fez Mussa?
Que farias tu, em seu lugar? Mussa não revidou a ofensa. Ergueu-se e, tomando, tranqüilo, o seu bastão, escreveu na areia clara, ao pé do negro rochedo:
Que farias tu, em seu lugar? Mussa não revidou a ofensa. Ergueu-se e, tomando, tranqüilo, o seu bastão, escreveu na areia clara, ao pé do negro rochedo:
"Viandante! Neste lugar, durante
uma jornada, Nagib, por motivo fútil, injuriou, gravemente, o seu amigo
Mussa".
Surpreendido com o estranho proceder,
um dos ajudantes de Mussa observou respeitoso:
“Senhor! Da primeira vez, para exaltar
a abnegação de Nagib, mandaste gravar, para sempre, na pedra, o feito heróico.
E agora, que ele acaba de ofender-vos, tão gravemente, vós vos limitais a
escrever na areia incerta, o ato de covardia! A primeira legenda, ó Xeique,
ficará para sempre. Todos os que transitarem por este sítio dela terão notícia.
Esta outra, porém, riscada no tapete de areia, antes do cair da tarde, terá
desaparecido, como um traço de espumas entre as ondas buliçosas do mar.
Respondeu Mussa: “É que o benefício
que recebi de Nagib permanecerá, para sempre, em meu coração. Mas a injúria...
essa negra injúria... escrevo-a na areia, com um voto, para que, se depressa
daqui se apagar e desaparecer, mais depressa, ainda, desapareça e se apague de
minha lembrança!
Assim é, meu amigo! Aprende a gravar,
na pedra, os favores que receberes, os benefícios que te fizerem, as palavras
de carinho, simpatia e estimulo que ouvires.
Aprende, porém, a escrever, na areia,
as injúrias, as ingratidões, as perfídias e as ironias que te ferirem pela
estrada agreste da vida.
Aprende a gravar, assim, na pedra;
aprende a escrever, assim, na areia... e serás feliz!
* * *
De Seleções de MALBA TAHAN (*)
Transcrito do site PORTAL DA FAMÍLIA
* * *
(*) MALBA TAHAN, pseudônimo de Júlio César
de Melo e Sousa (Rio de Janeiro, 6 de maio de 1895 — Recife, 18 de junho de
1974),professor, escritor e matemático.
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